Olhar (com sentido)


Normalmente, as ideias para o que escrevo resultam de pequenos episódios que tenho no correr do(s) dia(s). “Esta” já estava pensada há muito tempo e surgiu numa conversa vulgar com a minha mãe! Observava-a enquanto conversávamos e notava o quanto o tempo (e as experiências de vida) a tinham abanado! Veio-me à memória esta foto dela, em frente a uma casa que já teve melhores dias, e na minha cabeça formaram-se imediatamente proposições dos sonhos e projetos que ´aquele` olhar guardaria na altura, e a melancolia assaltou-me instantaneamente. Nessa noite, enquanto aproveitava a minha varanda (agora reinventada para tempos de confinamento), vieram-me à memória algumas estórias que a minha mãe tem partilhado comigo ao longo da vida (a que tivera antes, e a que teve/tem depois da minha existência)… a infância numa quinta onde as brincadeiras nunca permitiram que os dias fossem cinzentos, a juventude numa cidade pequena, o gosto que tinha por vestir as tendências de moda da altura, as noites de riso com as irmãs, a paixão por tudo o que o meu avô representava para ela e, acima de tudo, a vida de abnegação à família, particularmente ao meu pai nos seus últimos anos de vida…! Ao compor estes pensamentos, constato com facilidade que, instintivamente, tomamos as pessoas por garantidas, e olhamos para os que nos importam quase exclusivamente com a perspetiva que nos convém! Raramente (muito raramente) temos a capacidade de nos distanciarmos emocionalmente e (verdadeiramente) ver a pessoa humana, individual, que está por trás da relação que nos une e o que a sua experiência de vida acrescentou à versão original, sem vícios. Cada um de nós é muito mais do que as terminologias que os laços familiares e/ou afetivos e/ou profissionais nos concedem! Somos muito mais do que o que o ritmo dos dias nos permite repartir e, sem esta consciência, fazemos castelos no ar sabendo bem que não os conseguiremos manter intactos pois a vida faz isso mesmo… desinstala-nos e marca em nós o seu próprio ritmo!

Com um pouquinho de sorte (e a maturidade que se vai produzindo em nós) arranjamos forma de, realmente, ver as pessoas por inteiro antes que possamos dizer que é tarde! Eu sei que, nos últimos tempos, anseio alcançar o que está por trás do que os olhos da minha mãe me dizem… e, por muito custoso que por vezes me possa parecer, a gratidão de a ter na minha vida tudo valida!


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